e dizem:"Então é assim",
com o ar desenvolto de quem se alimenta
do som da própria voz,quando começam
a explicar longamente as actuais tendências
das artes ou das letras ou das sociedades
a pouco e pouco iguais umas às outras
neste primeiro mundo em que nascemos ,
agora que o segundo deixou de existir
e que o terceiro, mais guerra,menos fome,
continúa abstracto, em folclore distante.
Parece que está morta a metafísica
e que a verdade adormeceu, sonâmbula,
nos corredores vazios onde, as escuras,
se vão cruzando alguns milhões de frases
dos meus contemporãneos.Todavia,
falam de tudo com entusiamo
de quem lança "propostas"decisivas
e percorre as "vertentes " de novos caminhos
para a humanidade,enquanto saboreiam
a cerveja sem álcool, o café
sem cafeína e sobretudo
o amor sem amor, para conservarem
o equilibrio físico e mental.
Os meus contemporãneos dizem quase sempre
que não são moralistas, e é por isso
que forçam toda a gente, mesmo que não quer,
a ser livre, saúdavel e feliz
proíbem o tabaco e o açucar
e se por vezes sofrem, tomam comprimidos
porque a alegria é uma questão de química
e convém tê-la a horas certas, como
o prazer vigiado por preservativos
e outros sempre obrigatórios cintos
de segurança, pra que um dia possam
sentir que morrem cheios de saúde.
Quando os contemplo os meus contemporãneos
entre as conversas trendy e os lugares da moda,
"tropeço de ternura ", queria ser
plo menos tão ingénuo como eles,
partilhar cada frémito dos lábios,
a labareda vã das gargalhadas
pla madrugada fora. No entanto,
assedia-me a acédia de ficar
assim, mais preguiçoso do que um Oblomov
à escala portuguesa - ó doce anestesia
a invadir-me o corpo, a libertar-me
desse feitiço a que se chama o "espírito
do tempo"em que vivemos, sob escombros
de um céu desmoronado em mil pequenos cacos
ainda luminosos, virtuais
estrelas que se apagam e se acendem
à flor de todos os écrans
que os meus contemporãneos ligam e desligam
cada dia que passa, nunca se esquecendo
de carregar nas teclas necessárias
para a operação save
e assim alcançarem a eternidade.
FERNANDO PINTO DO AMARAL
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